segunda-feira, agosto 28, 2006

Elogio à Carris


Hoje, enquanto esperava à torreira do sol pelo autocarro, reconheci a necessidade de agradecer a essa grande empresa que é a Carris. De facto, a Carris tem-me proporcionado momentos hilariantes de lazer e descompressão ao longo destes anos, presenteando-me com episódios dignos de um filme do Kusturika. Neste campo, nada bate o pior autocarro que se pode apanhar (e que por acaso até o que eu tenho de apanhar todos os dias...), o belo do 28. Senão vejamos...

#1
Manhãzinha, rio com o sol a bater do lado esquerdo, tudo calmo no autocarro. Paragem em Xabregas, essa bonita terra. Entra um tipo que vulgarmente seria designado por "carocho", com ar de quem não vê água e sabão há uns bons meses. O tipo vai em pé. Sente comichão no pé e descalça o belo do chinelo para coçar a planta do pé com o jornal. Até aqui a cena já era suficientemente repugnante, mas a comichão devia ser tramada porque o tipo decide coçar-se no varão do autocarro. Pena foi ter falhado o alvo e ter coçado a pata imunda na perna da mulher que estava sentada atrás (que, por acaso, até estava de saia), que coitada, ficou de todas as cores...

#2
Manhãzinha, rio com o sol a bater... dejá vu. O mesmo cromo entra no autocarro completamente pedrado. As substâncias ilícitas devem ter-lhe avariado o termoestato porque decidiu abrir compulsivamente todas as janelas. Uma senhora (se ela soubesse!...) tenta chamar-lhe à atenção. "O ar condicionado está a funcionar, não deve abrir as janelas". O tipo olha para ela lá do fundo com ar alucinado e começa a berrar "EH PÁ, EU DETESTO GENTE ASSIM! TÁS-ME ATRAVESSADA! BRUXA MAU! BRUXA MAU!" Que mais há a dizer de um tipo que não sabe conjugar o feminino com o masculino?...

#3
Fim de tarde, autocarro à pinha. Um homem berra desalmadamente com o motorista porque este não abriu a porta para ele sair. À frente, uma velhota de óculos redondos, carrapito, com ar de avózinha farta-se e berra para o homem: "TÁ CALADO, Ó CARA DE CÚ À PAISANA!" (expressão esta que, se não me falha a memória, não ouvia desde os meus 12 anos...).
#4
Maluquinho sobejamente conhecido no sítio onde moro. Que eu saiba nunca passou das bocas ordinárias, mas 1,90m e barba por fazer dão-lhe um certo ar de terrorista. Da primeira vez que tive o prazer de interagir com a personagem, fixou-me durante aquilo que me pareceu uma eternidade. Quando eu estava para sair do autocarro berra "Sabes o que é que era? Era dares-me o teu número de telemóvel! Isso é que era!" (salto apavorado para fora do autocarro);
Da segunda vez, Sábado, 8h da matina. Ía eu para a Católica, carregada com dossiers de jurisprudência, códigos, etc. quando o vejo na paragem. Comecei logo a tentar adivinhar o que estava para vir... Só para eu não estar com juízos precipitados sai-se com esta (tom lascivo e arrastado, atenção!): "Sim senhora! Toda documentada..."
É claro que não bate o impropério lançado da primeira vez que o vi, o qual, felizmente, não foi para mim, mas para uma miúda que, desconhecendo a extrema necessidade de guardar uma boa distância do indivíduo, foi-se sentar mesmo ao lado dele: "Lambe-me os c*lh*es", isto dito como quem diz "olha, está a chover".
Isto, a juntar ao pacote generalista de qualquer autocarro da Carris (velhas ora na disputa sobre quem tem mais doenças, ora a lamentarem-se de que no tempo do Salazar é que era, criancinhas a berrar, tipos a falar sozinhos, entre outros), anima-me os dias.
Um grande bem haja, Carris!
P.S. Mesmo as horas a torrar ao sol à espera do autocarro devem ser vistas pelo lado positivo: como não tenho férias, vou ganhando um salutar bronzeado à camionista. Até porque os quilos de dióxido e monóxido de carbono que pairam na Praça do Comércio ajudam ao tom castanho...

4 comentários:

headache disse...

Deverias agradecer aos personagens no interior do autocarro. A Carris não é mais que a massa algutinadora de tão dispares personagens.

Já agora, se quiseres uma viagem de Carris atípica, apanha o 48. Vai mais ou menos vazio, e como vai e vem de sítios considerados "bem", é raríssimo ter pessoas a falar alto dentro dele, ou a descalçarem-se, ou... etc etc.

Joana disse...

E depois perdia a piada toda, não era? :)

Pedro disse...

Podes sempre experimentar as viagens de metro. Costumam ter cromos que podem ser trocados... Mas sim, podemos agradecer à CARRIS o facto de nos permitir espectáculos únicos...

Anónimo disse...

Grande amiga veio por este meio partilhar a minha nojenta experiência com o verme nùmero 4...
e não é que ele, bem perto de mim quando se dá a entrada no autocarro quase que a cantar diz " assanhada.... e de novo passado uns segundos assanhada"
Jesus spooky shit... com aquele ar enfim dengoso..
Meu Deus desde então que rezo para não o encontrar...